Ações Prioritárias para a Integração de Género na Gestão de Riscos de Desastres e na Prevenção e Resposta a Surtos e Epidemias na Guiné-Bissau | Policy Brief
Government of Guinea Bissau, African Risk Capacity, 13 p., 2024.
Desastres, surtos de doenças e epidemias não são experimentados de forma uniforme por todos os membros na sociedade. A vulnerabilidade e a exposição a desastres e epidemias são determinadas pelas diferenças nos papéis e responsabilidades sociais de mulheres e homens e o sexo feminino é afetado numa forma desproporcional. Relativamente as mulheres e meninas, a expectativa de que cumpram os seus papéis e responsabilidades enquanto prestadoras de cuidados às suas famílias impõe-lhes trabalhos e deveres adicionais durante e depois de desastres, surtos de doenças e epidemias.
A fraqueza verificada nas estruturas de gestão de desastres e epidemias na Guiné-Bissau se deve em parte à fraca integração da perspetiva de género nas políticas, estratégias, planos e programas, ou seja, a falta de abordar as diferencias de género relativamente a vulnerabilidade, impactos de desastres e epidemias, estratégias para os enfrentar e medidas de respostas as emergências.
Recomendações
- Criar e melhorar políticas e instituições de gestão de desastres e epidemias para que serem inclusivas e transformadoras de género ;
- Promover a liderança feminina em todo o processo de gestão de desastres e epidemias ; Sistematizar a produção de dados desagregados por sexo ;
- Desenvolver respostas e formas de recuperação de desastres e epidemias responsivos ao género ;
- Procurar financiamentos para o risco de desastres e a resposta a emergências sanitárias que promovem a inclusão das mulheres e a igualdade do género na base de uma avaliação das necessidades das mulheres e raparigas para adaptar e direcionar produtos financeiros que atendam às suas necessidades e preferências especificas.`
Abordagem centrada nas pessoas : são mulheres e homens, raparigas e rapazes cujas vidas e meios de subsistência são em risco nos desastres e surtos e epidemias
A Guiné-Bissau é um país altamente vulnerável às alterações climáticas, dada a sua geográfica e natureza das suas paisagens. Esta situação tem exercido influências na escassez dos meios de subsistência e no bem-estar das populações. Os impactos das alterações climáticas manifestam-se principalmente através de inundações, secas, tempesteadas, aumento de temperatura, subida do nível do mar, salinização e padrões de precipitação imprevisíveis. A capacidade de adaptação da população rural, em grande parte pobre e desde já sofrendo de insegurança alimentar, é fraca. Alguns dos fatores de risco decorrem da urbanização não planeada, da construção de habitações em zonas húmidas, da degradação dos solos e da desflorestação.
De acordo com o Global Health Security Index (GHSI), a capacidade da Guiné-Bissau de se preparar para uma epidemia é muito baixa ; o país ocupa o lugar 170 entre 195 países na sua capacidade de prevenção de doenças zoonóticas. O sistema de saúde pública da Guiné-Bissau é pouco desenvolvido, padecendo maior parte das suas estruturas da falta de equipamentos e de recursos humanos qualificados. Vários surtos de cólera, malária endémica, elevados níveis de VIH e a proximidade direta da Guiné-Conacri fazem com que a Guiné-Bissau se enquadra nos países de alto risco em relação a surtos de ébola e outras futuras epidemias e doenças zoonoticas ainda desconhecidas. O sistema de saúde publica caracteriza-se igualmente por uma enorme desigualdade de género e por uma falta geral de tratamento adequado às necessidades das raparigas e das mulheres, com consequências drásticas, em particular, em elevadas taxas de mortalidade materna e infantil.
Compreender como as relações de género moldam a vida de mulheres e homens é fundamental para a redução do risco de desastres e a preparação e resposta a surtos e epidemias. Isso porque os diferentes papéis, responsabilidades e acesso a recursos de mulheres e homens influenciam como cada um será afetado por diferentes perigos e doenças, e como as pessoas lidarão e se recuperarão deles. Relações de poder desiguais entre mulheres e homens significam que, apesar da incrível resiliência e capacidade de sobrevivência que as mulheres frequentemente exibem diante de desastres e epidemias, elas também experimentam uma série de vulnerabilidades específicas de género.
Mulheres, raparigas, homens e rapazes não são uma população homogénea, (variáveis socioculturais e económicos diferentes), daí a necessidade de integrar a perspetiva de género na gestão do risco de desastres e na prevenção e resposta a surtos e epidemias, de modo a assegurar os direitos e a dignidade das pessoas afetadas, construir resiliência, prevenir e dar resposta a propagação de doenças transmissíveis e criar ambientes mais seguros e inclusivos.
As taxas de mortalidade mais elevadas entre mulheres e raparigas em muitos desastres recentes têm sido atribuídas às desigualdades de género, incluindo o acesso limitado das mulheres à informação e à comunicação dos riscos, as elevadas taxas de pobreza das mulheres e a exposição diferenciada a perigos decorrentes do trabalho e das funções de prestação de cuidados assentes no género.
Este policy brief evidencia as lacunas e oportunidades específicas para a integração da perspetiva de género nas políticas, programas e instituições na Guiné-Bissau que lidam com desastres (impactos climáticos), surtos e epidemias, a fim de garantir direitos, capacidades e oportunidades iguais às mulheres e aos homens.
POLÍTICAS E MECANISMOS INSTITUCIONAIS
Nível internacional : Compromissos globais para a igualdade de género, gestão de riscos de desastres e surtos e epidemias
A Guiné-Bissau ratificou as convenções e protocolos internacionais para a proteção dos direitos humanos das mulheres, particularmente a "Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres (CEDAW)", e o Protocolo à Carta Africana dos Direitos Humanos e dos Povos sobre os Direitos das Mulheres em África" de Maputo (2003). O Estado da Guiné-Bissau faz parte dos signatários do Quadro de Sendai de Gestão de Riscos de Desastres (2015) e outros quadros relacionados com as alterações climáticas e o género. Também assinou o Regulamento Sanitário Internacional (RSI) de 2005 que enquadra na sua última revisão (2022) o género como uma capacidade central. Os instrumentos jurídicos internacionais têm a receção na ordem jurídica guineenses através do artigo 29 da constituição.
Embora estejam a ser feitos grandes esforços para implementar estas obrigações, regista-se ainda um longo caminho a percorrer para estabelecer metas claras sobre o género, traduzidas em ações prioritárias de reforço da integração de género na gestão de riscos de desastres e de prevenção e resposta a surtos de doença e epidemias.
Quadro legislativo nacional sobre a igualdade de género, redução de risco de desastres e resposta a surtos de doença e epidemias
A igualdade de género como um dos seus princípios está plasmada na constituição do país. Os artigos 24.o e 25.o da Constituição da República da Guiné-Bissau (1984, revista em 1996) proíbem todas as formas de discriminação em razão do sexo.
A Política da Igualdade e Equidade de Género (PNIEG), elaborada em 2012 e revista em 2017, reforça a necessidade de uma integração transversal do género nas políticas publicas, nas instituições em todos setores chaves de desenvolvimento económico, político e social da sociedade guineense. Mas não integra as alterações climáticas, os desastres e as epidemias como áreas temáticas diretas, para a qual a programação sensível ao género e a inclusão devem ser promovidas, a fim de alcançar um desenvolvimento sustentável inclusivo.
A legislação ambiental é ainda fraca e não alinhada com a temática do género. Existe a Estratégia Nacional de Gestão do Risco de Catástrofes de 2013 (não aprovada) que necessita de atualização e ligação com o quadro de Sendai, os Acordos de Paris, os ODS, e a Carta Africana da UA. Esta estratégia é neutra em termos de género e a sua revisão urgente será uma boa oportunidade para alinhar os esforças nacionais de redução de riscos de desastres e duma recuperação melhor com o novo Plano de Ação de Género do Quadro Sendai (janeiro 2024).
A Lei de Base da Proteção Civil (2011) e a Lei Orgânica do Serviço de Proteção Civil (2017) não mencionam grupos diferentes de pessoas, ou seja, não perspetivam vulnerabilidades e necessidades diferenciadas do género, nem integram aspetos de género na definição das tarefas, programas e atividades do Serviço Nacional da Proteção Civil.
A Plataforma Nacional para gestão de Riscos e Desastres, criada por lei em 2017, como órgão nacional máximo nesta matéria, também regista uma ausência de considerações de género.
No âmbito da saúde publica nota-se uma certa atenção as mulheres nos últimos 10-15 anos : a Lei de Saúde Reprodutiva e Planeamento Familiar (2010) protege as mulheres e garante os seus direitos, define a saúde reprodutiva e os seus serviços. A Lei contra a Mutilação Genital Feminina (2011) e a Violência Doméstica (2014) protegem as mulheres contra a violência baseada no género (VBG) mas carecem de implementação efetiva. O Plano Nacional de Desenvolvimento Sanitário (PNDS III) 2018- 2022, menciona as desigualdades regionais, económicas e de género no acesso aos cuidados de saúde, mas não inclui programas para tratar as desigualdades e discriminações intrínsecas no sistema de saúde. Apesar desses bases legais e políticas, a proteção da saúde reprodutiva e a melhoria de várias questões essenciais de saúde feminina de facto não avançaram na medida desejável para superar as desigualdades de género e reduzir significativamente os riscos de vida relacionadas com a saúde das mulheres e raparigas.
A Guiné-Bissau segue a Orientação técnica da OMS-África para a Vigilância Integrada das Doenças e Resposta (VIDR) em África (3a edição, março de 2019) que demanda a recolha e utilização de dados desagregados por sexo para rastrear infeções de doenças transmissíveis, e um melhor envolvimento das mulheres nos sistemas de resposta e na tomada de decisões nas emergências.
O Plano Estratégico do Centro de Operações de Emergências Sanitárias da Guiné-Bissau (maio 2017), e a Estratégia Nacional de Comunicação e Promoção da Saúde e Prevenção e Combate as Epidemias (2017-2021) fornecem as orientações principais ao nível operacional no caso de emergências sanitárias. Precisam de revisão e integração do género.
PRINCIPAIS DESAFIOS
Na Guiné-Bissau embora exista o interesse na integração do género na gestão do risco de desastres e na prevenção e resposta a surtos e epidemias, foram identificados os seguintes desafios-chave nesses domínios (veja : ARC Análise de género Guiné-Bissau).
Quadro político, jurídico e institucional
As políticas, estratégias e planos sobre gestão de desastres e prevenção e resposta a surtos de doença e epidemias são geralmente neutros em termos de género.
Não existe um plano abrangente multirrisco para a gestão de desastres que englobe as diferentes etapas do ciclo de desastres (prevenção, preparação, evacuação, resposta, recuperação). Igualmente não temos um plano nacional de prevenção, preparação e resposta a surtos de doença e epidemias que integra os aspetos chaves, como a vigilância, o sistema nacional de laboratórios, preparação e operações de resposta a emergências, comunicação dos riscos e envolvimento da comunidade
Portanto, não existem planos e programas claros e sistemáticos sensíveis ao género nas áreas de gestão de desastres e epidemias.
Os Planos Nacionais de Contingência para diferentes epidemias, tais como o Ebola, a Zika, e o COVID- 19 deparam-se com uma ausência de integração do género, e não fazem da igualdade de género e da integração de género uma prioridade. Isto acaba por limitar a eficácia e o alcance dos mesmos no que concerne a prevenção e resposta a surtos e epidemias, na medida em que os seus conteúdos não contemplam as necessidades e tarefas específicas das mulheres, homens, rapazes e raparigas (tanto no contexto rural como no urbano).
A capacidade do Instituto Nacional de Estatísticas, do Serviço Nacional de Proteção Civil e do INASA (Instituto Nacional de Saúde) é limitada relativamente a produção de dados relevantes e desagregados por sexo, necessários para a avaliação de vulnerabilidade e outros aspetos importantes sobre o género e para tomada de decisões inclusivas e integrativas da perspetiva de género.
Os mecanismos de coordenação de gestão de riscos de desastres (Plataforma Nacional de Gestão de Riscos de Desastres) e de prevenção e resposta a surtos e epidemias (Centro de Operações para Emergências Sanitárias) não funcionam regularmente e numa forma sistematizada. Estes mecanismos são ativados e desencadeados pelo início de desastres e/ou surtos e epidemias e incluem a colaboração com as instituições nacionais e os parceiros internacionais.
A capacidade de resposta do Serviço Nacional de Proteção Civil à eventos climáticos graves e incêndios é limitada. Esta estrutura não tem capacidades suficientes para realizar avaliações de vulnerabilidade, por exemplo : medir terras inundadas para calcular as perdas e os danos na agricultura ; impacto dos incêndios florestais na população ; impactos diferenciados de secas, inundações etc. por mulheres, homens, raparigas e rapazes. A Plataforma Nacional de Gestão de Riscos e Desastres não é operacionalizada. Ela deveria integrar mulheres e grupos marginalizados e seria muito importante ter a liderança feminina ao nível local.
A capacidade do Centro de Operações para Emergências Sanitárias (COES) é limitada, ao nível nacional e regional, em garantir a vigilância em tempo real, a notificação sobre casos de doença, o devido rasteio e tratamento dos doentes e a comunicação eficaz com as comunidades afetadas para dar resposta aos problemas que se colocam com os surtos e epidemias.
Participação das mulheres e liderança na tomada de decisões
As mulheres e outros grupos vulneráveis, estão claramente sub-representados na liderança e na tomada de decisões nas respetivas estruturas de gestão de riscos de desastres e prevenção e resposta a surtos e epidemias. Poucas mulheres se encontrem em posições de decisão e planeamento no Serviço Nacional de Proteção Civil (SNPC), no COES e seus pilares e entre os técnicos do INASA nos centros de epidemiologia, vigilância de campo e comunicação com comunidades.
Relativamente ao Serviço Nacional da Proteção Civil algumas mulheres trabalham na direção de serviços, mas na base, entre os técnicos das operações e os bombeiros a grande maioria, pelo menos 80% são homens.
Faltam mulheres em posições de liderança nas regiões e também no trabalho em áreas remotas, por exemplo entre os agentes de saúde comunitária e os funcionários nas estações meteorológicas nas regiões, onde uma presença forte das mulheres seria essencialmente importante para a transmissão de mensagens de sensibilização em caso de desastres (inundações, secas, tempesteadas entre outros) e ameaças de surtos e epidemias.
Lacunas de capacitação relativamente às dinâmicas de género em Gestão de Riscos e Desastres e em Surtos de Epidemias
Existe uma capacidade limitada em conhecimentos e habilidades combinadas sobre a perspetiva e as dinâmicas de género em desastres, surtos, epidemias e os seus impactos na gestão de desastres e na prevenção e resposta a surtos de epidemias. Portanto, a educação e a sensibilização sobre o género não são priorizadas, ou seja, a inculcação de valores como a igualdade e equidade de género nas respetivas instituições é quase inexistente.
Os estereótipos de género persistem e têm um impacto negativo no avanço das mulheres na gestão de riscos de desastres, resposta a surtos e epidemias e construção de resiliência
Os papéis das mulheres para mitigar e fazer face a desastres e surtos e epidemias ainda continuam a ser definidos pelos estereótipos de género e alinhados com o agregado familiar e a família : preparação de alimentos e cuidados, tratamento de doentes, responsabilidade para as crianças, organização de todas as tarefas domésticas bem como apoio psicológico de ’conforto’. Assim, as mulheres têm pouca oportunidade de sair do pesado fardo de cuidados e trabalho doméstico não renumerado que raramente é reconhecido, mas, bem ao contrário, é exacerbado de muitas maneiras durante e após desastres e epidemias. No sector de saúde, as mulheres na Guiné-Bissau servem na linha de frente como enfermeiras e medicas para cuidar das vítimas de desastres, surtos e epidemias. Apesar das suas atividades tão importantes em situação de desastres e epidemias as mulheres quase não participam na gestão e liderança dessas crises, ou seja, não é concedido espaço para ouvir e integrar as vozes femininas. As normas sociais enraizadas nos estereótipos de género podem causar sofrimento à saúde física e mental das mulheres e meninas e impedir seu acesso à educação, fontes de subsistência e outros apoios críticos.
Adequação das informações recolhidas e acesso às informações
Existem desafios na transmissão das informações para chegar numa forma eficaz a homens, mulheres, raparigas e rapazes. Esta fraqueza na estratégia de comunicação tem impactos maiores às pessoas marginalizadas na sociedade guineense, tais como idosos em áreas remotas, e portadores de deficiência, especialmente os surdos, mudos e cegos. Portanto, a nível do país não existem dispositivos que possam fazer chegar mensagens a esses grupos da população em caso de desastres naturais e de surtos e epidemias. As mensagens sobre epidemias e os alertas precoces sobre impactos climáticos graves (ventos fortes, inundações, secas) nem sempre podem chegar numa forma consistente e completa por falta de compreensão por parte dos recipientes, especialmente mulheres, nas zonas rurais sem acesso a meios de comunicação (rádio ou telemóvel) e sem conhecimento suficiente da língua crioulo.
Uma parte significativa da informação recolhida não é desagregada por sexo, o que limita a tomada de decisão sobre as necessidades específicas de homens, mulheres, raparigas e rapazes.
Não existe (por enquanto) na Guiné-Bissau qualquer repositório central e acessível a todos os intervenientes de informações sobre desastres e surtos e epidemias (no âmbito do sistema informático da saúde única da OMS) ; se regista também a falta de um sistema integrado de gestão de informações sensíveis ao género que poderia facilitar a coordenação nas intervenções em caso de desastres e de surtos e epidemias.
Ao nível local, uma recolha de informações e a monitorização da vulnerabilidade da população face a desastres, surtos e epidemias acontece no âmbito de projetos específicos de apoio internacional (por exemplo, de instalação de sistemas de alerta precoce), mas não numa forma geral e sistemática.
Resposta a desastres e surtos e epidemias
Na Guiné-Bissau não existem tanto ao nível nacional como ao nível regional abrigos bem identificados e preparados para albergar as pessoas caso aconteçam desastres ou epidemias que obriguem a deslocação de populações. Em algumas localidades foram identificados e minimalmente preparados centros de evacuação pela Cruz Vermelha. Mesmo onde estruturas de evacuação existissem poderão não ser facilmente acessíveis a certos membros da comunidade, especialmente aqueles com deficiência. Igualmente poderão não oferecer a privacidade e segurança necessária para as mulheres e raparigas.
Em caso de epidemias, foram construídos centros provisórios de atendimento e tratamento com apoio da OMS, UNICEF etc. em alguns hospitais (por exemplo em Bissau durante os surtos de Cólera e na pandemia do Covid-19).
O pessoal envolvido em operações de resgate e evacuação (bombeiros, voluntários da Cruz Vermelha, organizações juvenis) é pouco treinado em conhecimento especializado para lidar com questões de bem-estar das pessoas resgatadas, incluindo direitos sexuais e reprodutivos, sistemas de proteção social e estratégias para a prevenção da violência baseada no género. Isso resulta em diversas necessidades não atendidas dos afetados, também em relação a rapazes e homens e a dignidade masculina (proteção contra o VIH/SIDA e outras infeções sexualmente transmissíveis).
As necessidades de mulheres e meninas por serviços de proteção – incluindo instituições que tratam a violência baseada no género e a sua prevenção – aumentam cada vez mais na Guiné-Bissau. Nota-se que por outro lado a acessibilidade desses serviços diminui, por exemplo pendente a pandemia do Covid-19. Uma situação semelhante foi constatada durante surtos de Ebola e Zika nos países vizinhos.
Recuperação de desastres e surtos e epidemias
A distribuição de pacotes de ajuda (internacional/nacional) implementada na fase de recuperação de um desastre ou durante e depois uma epidemia (pandemia) utiliza parâmetros convencionais para identificar beneficiários (por exemplo : chefes de agregado familiar, empresas registadas) e acaba assim muitas vezes por deixar de fora os grupos vulneráveis (mulheres e jovens), que desenvolvem atividades no setor informal (por exemplo, microempresas no sector de alimentação).
As situações de desastres e de surtos e epidemias agravam frequentemente também as disparidades de género em relação ao direito/ acesso aos recursos produtivos (terra), outros recursos naturais e financeiros que as mulheres precisam deles para recuperar os danos sofridos (em secas/inundações etc.) O impacto de desastres sobre os agricultores pode causar a deslocação e a migração dos atores, especialmente de homens e jovens em busca de localidades que os ofereçam meios de subsistência alternativos (pastos para o gado). As mulheres, por outro lado, são responsáveis na ausência dos homens não só para todo o trabalho doméstico e os cuidados, mas também para múltiplas tarefes adicionais na agricultura. Também despendem muito tempo com a busca dos recursos essenciais escassos e eventualmente contaminados em caso de desastres e epidemias como a água e a lenha.
A recuperação dos meios de subsistência e o fortalecimento da resiliência das famílias e comunidades são fundamentais na gestão de desastres e epidemias. Nessas crises graves, as comunidades são expostas a grandes dificuldades que de longe ultrapassam as suas capacidades inerentes de fazer face a desastres e epidemias, na medida em que também o apoio direto prestado pelas autoridades nacionais nessas circunstâncias é ínfimo. Realça-se o papel essencial prestado pelas ONG e agências das Nações Unidas e outros atores internacionais de ajuda humanitária.
RECOMENDAÇÕES
Criar e melhorar políticas e instituições de gestão de riscos de desastres e de resposta a surtos e epidemias para serem inclusivas e transformadoras de género
- Atualizar e implementar com urgência a “Estratégia Nacional de Gestão do Risco de Catástrofes” e desenvolver e implementar um “Plano Estratégico Nacional Multirrisco de Emergências de Saúde Pública”,integrando neles um quadro responsivo ao género. Adaptar aqui o“Plano de Ação de Género do Quadro Sendai” (2024) e a “Integração de Género nas Programas de Emergências
Sanitárias da OMS” (2022) ao contexto guineense ; - Integrar e coordenar a implementação de planos e ações de gestão de riscos de desastres e de
prevenção e resposta a surtos e epidemias sensíveis ao género ;
Criar e fazer funcionar mecanismos intergovernamentais bem coordenados de gestão de riscos de desastres conforme Quadro Sendai e de prevenção e resposta a surtos e epidemias conforme VIDR, incluindo uma perspetiva solida de género ; - Integração da perspetiva de género na análise dos riscos, nos planos de contingência (para diferentes doenças/epidemias), nos sistemas e comunicação de vigilância, particularmente vigilância de campo ;
- Identificar e abordar vulnerabilidades específicas enfrentadas por mulheres, homens, meninas e meninos, como mobilidade limitada, responsabilidades de cuidado e restrições econômicas.
Promover e apoiar a plena e equitativa participação e liderança das mulheres guineenses na redução do risco de desastres bem como na prevenção e resposta a surtos e epidemias a todos os níveis
- Aumentar o número de mulheres na liderança e na tomada de decisões nas instituições e organizações dedicadas a redução do risco de desastres e a resposta a surtos de epidemias ;
- Apoiar e promover a participação progressiva das mulheres nos processos de tomada de decisão em todos os níveis, reconhecendo a diversidade, particularidade e importância de conhecimentos, habilidades e capacidades das mulheres ;
- Instalar programas de reforço das capacidades a vários níveis para eliminar os obstáculos à entrada de mulheres em funções altas de representação e da tomada de decisões ;
- Assegurar a participação das mulheres na conceção, gestão, afetação de recursos e implementação de políticas, planos e programas de redução do risco de desastres e resposta e epidemias sensíveis às questões de género ;
- Promover a liderança das mulheres de diferentes gerações, origens socioculturais, grupos étnicos e religiosos e organizações/redes de direitos das mulheres com mentoria focada e programas de capacitação para mulheres líderes ;
- Exigir um maior equilíbrio de género no pessoal das instituições de Gestão de Riscos de Desastres e das Emergenciais Sanitárias ;
- Reforçar o papel das mulheres na prevenção e resposta aos surtos de doenças e epidemias com aplicação de taxa de paridade de género (minimalmente 40/60 ou 50/50) na composição do COES e nas equipas de vigilância, notificação e tratamento/ assistência as vítimas.
- Incentivar as candidaturas femininas para Formação em Epidemiologia de Campo - Linha da Frente (FETP-Frontline).
- Integrar clausulas para a paridade de género na contratação e na formação de quadros de saúde publica, da epidemiologia e da proteção civil e incentivos para o trabalho feminino, garantindo cuidados das crianças e modelos de trabalho em tempo parcial (part-time), reduzindo assim as barreiras contra a contratação de mulheres com perfil científico adequado.
Construir na Guiné-Bissau capacidade institucional e individual para integrar o género na gestão de riscos de desastres e na prevenção e resposta a surtos e epidemias
- Afetar recursos para reforçar as capacidades dos intervenientes governamentais a diferentes níveis e de outras partes interessadas para integrar a dimensão do género na gestão de riscos e desastres e surtos e epidemias ;
- Garantir que as mulheres e as raparigas e todos os grupos marginalizados tenham igual acesso à formação e a programas de desenvolvimento de competências para promover a sua plena participação e liderança em intervenções de gestão de riscos e desastres e emergências sanitárias ;
- Criar uma rede de Formação de Formadores a diferentes níveis, para esta rede seja responsável pela formação como e quando necessário na gestão de desastres e epidemias ;
- Reforçar as capacidades das comunidades na instalação de sistemas de alerta precoce e gestão de desastres com atenção especial ao envolvimento das mulheres no conhecimento, monitoramento e comunicação de avisos de riscos e capacidade de resposta ao alerta precoce ;
- Fortalecer o Centro de Operações de Emergências em Saúde (COES) institucionalmente e em
recursos humanos e financeiros como mecanismo central da resposta a emergências da Saúde Publica ; - Consolidar as capacidades laboratoriais de detenção e a notificação das epidemias (equipamentos, recursos humanos) e integrar a perspetiva de género (dados desagregados, atendimento e comportamento) ;
- Reforçar o Programa de Formação em Epidemiologia de Campo - Linha da Frente (FETP-Frontline) do INASA e introduzir nele uma abordagem transformadora de género e mecanismos que possam garantir a sustentabilidade financeira e operacional a longo prazo ;
- Estabelecer e manter mecanismos robustos de vigilância epidemiológica e resposta : epidemiologia centrada no campo/comunidade, com foco no género (mulheres, homens, meninas e meninos) e intersecção com outros parâmetros sociais (pobreza, idade, deficiência, doenças crónicas).
Promover a produção de dados desagregados por sexo e outros variáveis interseccionais para a tomada de decisão informada e o monitoramento de desempenho
- Garantir uma recolha sistemática de dados desagregados por sexo, idade e outras variáveis interseccionais sobre a gestão de riscos e desastres e resposta a surtos e epidemias para informar as respetivas políticas, a programação e implementação de projetos como também os sistemas de monitorização e avaliação (M&A) ;
- Tornar os dados de género (sempre atualizados) acessíveis e utilizáveis para fundamentar políticas inclusivas e orientar a tomada de decisões e investimentos mais informados ;
- Melhorar a capacidade estatística operacional do INASA, do Serviço Nacional da Proteção Civil e do Instituto Nacional de Estatísticas (INE) enquanto instituição governamental com mandato para recolher, analisar e depositar dados centralmente e partilhar dados desagregados por sexo sobre desastres e emergências sanitárias (surtos e epidemias) ;
- Garantir que as mulheres liderem e participem na recolha e utilização desses dados desagregados ;
- Envolver homens e mulheres no desenvolvimento e na divulgação de indicadores e metas sensíveis ao género, incluindo nos relatórios sobre desastres e surtos e epidemias para promover a responsabilização, a inclusão e a apropriação desses dados ;
- Documentar e utilizar conhecimentos tradicionais relevantes ao ciclo de desastres e a resposta a epidemias para que as intervenções sejam sensíveis e aceitáveis às considerações culturais e socioeconómicas dos diferentes grupos étnicos do país ;
- Fortalecer a capacidade técnica e estatística da Proteção Civil, etc. para a avaliação de vulnerabilidades e capacidades, incluindo a cartografia detalhada dos riscos de desastres, a base de dados desagregados por sexo/idade/localidade ;
- Garantir que todos os dados recolhidos pelo INASA / Ministério da Saúde sejam desagregados por sexo. A compreensão dos padrões diferenciais de género/ idade etc. na transmissão, apresentação e nos resultados de um surto/ uma epidemia possibilitam o desenvolvimento de medidas personalizadas, intervenções inovadoras e resultados de maior eficácia.
Melhorar o acesso à informação e comunicação
- Garantir que a comunicação sobre desastres e surtos e epidemias chegue a população de forma inclusiva e oportuna ;
- Elaborar uma estratégia de comunicação de género no sentido de melhorar a compreensão de atores (de cima para baixo), sobretudo das mulheres, sobre como agir em caso de surtos e epidemias. -* A estratégia deve veicular mensagens concernentes as necessidades específicas das mulheres, homens, rapazes e raparigas no que se refere a surtos e epidemias ;
- Utilizar com preferência ferramentas adequadas de comunicação para chegar às pessoas residentes nas tabancas mais longínquas do país, utilizar igualmente os meios de comunicação de baixo custo, que não exijam um alto nível de alfabetização e não interfiram na carga de trabalho diária das mulheres, por exemplo, as rádios comunitárias que emitem seus programas em línguas locais ;
- Assegurar que todas as informações sobre os riscos, incluindo o alerta precoce, são inclusivas e acessíveis a todos, sensíveis ao género e baseadas no impacto para uma melhor compreensão. As comunidades devem ter acesso fácil a informações sobre os riscos de desastres, os impactos associados e o custo da inação, a fim de melhor apreciar o impacto das suas ações ;
- Adaptar a comunicação à população alvo : é necessário detetar e lidar com as perceções das populações, as crenças infundadas, os comportamentos de risco e a desinformação ;
- Ter em conta a perceção por parte das comunidades e também quais os métodos que levarão a melhor aceitação das mensagens para que haja uma rápida adoção de comportamentos que promovam a saúde pública (deteção e seguimento de casos/ conhecimento dos sinais da doença, informação sobre imunização).
Proteger da Violência Baseada no Género
- Integrar as medidas contra a VBG e serviços de apoio psicossocial para as vítimas na resposta a desastres e emergências de Saúde Publica ;
- Garantir que os serviços de emergência, abrigos e mecanismos de distribuição de ajuda atendam às diversas necessidades de todos os géneros. Isso inclui o fornecimento de espaços seguros para mulheres e meninas, o acesso a serviços de saúde reprodutiva e a abordagem dos riscos de violência de género ;
- Melhorar a base de dados sobre a violência contra as mulheres no contexto de epidemias e implementar as abordagens de prevenção, resposta e mitigação de riscos de VBG no cerne dos planos de contingência ;
- Prevenir e mitigar os riscos da VBG na resposta humanitária as epidemias em toda e qualquer programação que ofereça dinheiro ou vouchers, especialmente no que diz respeito à segurança alimentar e medidas de saneamento e higiene (WASH) ;
- Envolver homens e meninos, bem como líderes tradicionais e religiosos nas iniciativas de prevenção, resposta e coordenação da VBG.
Desenvolver respostas e formas de recuperação de desastres e epidemias responsivas ao género
- Envolver as comunidades locais, organizações de mulheres e outras partes interessadas ao longo das fases de resposta e recuperação para entender suas prioridades e garantir que as respostas e os esforços de recuperação sejam culturalmente apropriados e abordem as causas profundas das disparidades de género.
- Reforçar e estabilizar o sistema da saúde publica da Guiné-Bissau no sentido de manter os serviços da saúde materna e infantil sempre e em qualquer circunstância a funcionar razoavelmente ;
- Garantir acesso facilitado e tratamento privilegiado das mulheres gravidas, mães com pequenos filhos e raparigas durante e após as epidemias/ desastres ;
- Garantir que as iniciativas de ajuda humanitária sejam inclusivas, isto é, que incluam os grupos vulneráveis não convencionais e que estas iniciativas de apoio integrem às necessidades diferenciadas de diferentes membros das comunidades.
- Fornecer respostas abrangentes aos desastres e surtos e epidemias, que ofereçam um apoio holístico que vai desde abrigos bem equipados ao apoio psicossocial, por forma a reconfortar os atores afetados.
- Integrar as considerações de género em todos os esforças da recuperação para reconstruir melhor, numa maneira justa para todos os géneros, e assim criar comunidades mais resilientes e inclusivas.
- Garantir nos esforços da recuperação os princípios de “não deixar ninguém para trás” e “reconstruir melhor”. Assim, os princípios de inclusão, equidade e oportunidade são fundamentais.
- Desenvolver linhas de programas de apoio direto à recuperação de desastres (alimentos, cash payments, apoio de reconstrução /zinco, tendas, mobília, roupa, sementes) junto com os parceiros internacionais, assegurando uma afetação equitativa de recursos para as mulheres.
- Elaborar planos de recuperação de desastres, por vários atores (tais como : Proteção Civil, Camara Municipal, Obras Publicas, Ministério de Agricultura) junto os parceiros internacionais, considerando necessidades e capacidades das mulheres (proteção da VBG etc.).
Aumentar a resiliência das mulheres a longo prazo a base de uma visão transformadora das relações de género
- restaurar os meios de subsistência, reconstruir infraestruturas, redes sociais e sistemas sociais de uma forma que promova a igualdade de género ;
- fomentar o desenvolvimento de programas de proteção social adaptativos que podem efetivamente antecipar e evitar que choques se transformem em crises ;
- colocar o acesso das mulheres aos processos de tomada de decisão no cerne dos esforços de reconstrução ;
- promover o empoderamento económico das mulheres rurais e o acesso e controle sobre os recursos produtivos, seus direitos à terra e à propriedade, que permitam seu engajamento na produção sustentável de alimentos e proporcionem resiliência contra riscos climáticos e os diversos impactos negativos de epidemias e desastres.